sábado, 13 de março de 2010

cronica grazieli

Vida nossa de todos os dias

Graziele é uma moça aparentemente frágil. SeuS 1,60m e seus 44 kg, escondem uma fortaleza de pessoa. A vida áspera que herdou da herança de ser pobre, a criação severa que obteve, e a violência social transformou essa menina em uma pessoa forte. Sempre observou o cotidiano da favela da Maré, e demorou a entender como um povo tão sofrido insistia em sorrir. Pois percebia que seus únicos direitos garantidos pela sociedade burguesa era o de sofrer e amar a Deus. E entendeu que seu pai cresceu entre a cruz e a espada por ter podido estudar só até a 4ª série primária. Buscou estudar, conseguiu com muito sacrifico uma bolsa de estudos e financiar um curso de jornalismo em uma das escolas mais tradicionais do Rio de Janeiro.

Ela aprendeu desde cedo a não abaixar a cabeça, a olhar nos olhos das pessoas e mandar o papo reto. Seu primeiro dia de aula se apresentou a turma e se posicionou como favelada, e disse em bom tom: “Moro na favela da Maré na comunidade Mandacaru, estou aqui por uma bolsa financiada, meu objetivo como jornalista é escrever a voz da minha comunidade, pois estou cansada em ver e ouvir o que esses shownarlistas escrevem”. “Não acho que só a favela da Maré deve mudar, a mudança tem que ocorrer em toda parte da cidade, ou na zona sul não há problemas?”. Alguns alunos se assustaram, outras fizeram cara de deboche, e desde então ela causa estranhamento na turma. Suas opiniões e posições costumam ser contrárias a da maioria das pessoas, que reforçam a lógica de criminalização da pobreza. Muitos da turma ainda não se conformaram em ter que dividir a sala com uma favelada.

O jeito simples de Graziele,causa asco nas patricinhas da Gávea, que por costume repudiam quem repete a mesma roupa. Mesmo num ambiente desfavorável, ela conquistou alguns professores progressistas e na turma de 40 alunos, conseguiu a amizade de duas meninas que tiveram sensibilidade para aprender e entender coisas com Graziele que a universidade não ensina. Mas o debate na faculdade é pouco, perto da sua luta particular; pois Graziele se sente discriminada até pelos movimentos sociais da esquerda. Quando ela chega em reuniões e atos, vê um monte de intelectuais acadêmicos falarem de hegemonia e contra-hegemonia , dizerem que a tão classe subalterna ainda não atingiu a consciência. Mas ela não vê aqueles intelectuais pisarem em favelas, ocupações urbanas, muitos não aparecem nem para prestar solidariedade em atos de protesto contra a violência do Estado nessas comunidades.

Quando sai dessas reuniões seu desespero aumenta pois vê que os movimentos sociais estão abarrotados de pessoas de classe média que em sua maioria são jovens universitários que não são capazes de renunciar os “ismos” e “istas” da boca para sequer se sensibilizar de fato com a dor dos pobres.

Dessa forma se sente excluída dentro de movimentos que pregam a inclusão. Assim, sente na pele a desilusão de militar dentro de uma comunidade, tendo que disputar atenção das pessoas com a televisão e lidar às vezes com a repressão da policia e dos traficantes; dessa forma ela luta cotidianamente para um dia seu povo se libertar, se unir e garantir que os mínimos direitos como o de viver em paz, o de ir e vir, seja respeitado.

A jovem Graziele segue bravamente remando contra a Maré, mas sabe que se mais braços não remarem juntos, o barco da revolução não vai navegar.

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