sexta-feira, 16 de abril de 2010

Cidade sem cultura por: Guilherme Wojciechowski

Reproduzido da folha online.

Cidade sem cultura

Na última terça-feira (13), foi lançado em Foz do Iguaçu o documentário "As Muitas Faces de uma Cidade", produzido por Danilo Georges e Eliseu Pirocelli, ao mais puro estilo "uma ideia na cabeça e uma câmera na mão", uma vez que a grana disponível, tirada do próprio bolso, deu apenas para a compra da filmadora (parcelada em 12 vezes) e do combustível para levá-los aos locais de filmagem.

Na tela, o chocante contraste entre uma cidade que, ao mesmo tempo em que abriga uma das maravilhas naturais do planeta, bem como monumental obra de engenharia hidrelétrica, ostenta o título de tricampeã brasileira em homicídios de jovens entre 15 e 24 anos e esconde, em áreas invisíveis aos olhos do poder público, favelas com enormes carências sociais e estruturais.

As imagens do documentário são tremidas e, por vezes, pouco nítidas. O áudio nem sempre é claro, tendo obrigado os autores à colocação de legendas nos trechos em que ruídos alheios competem com as falas dos personagens. A edição é rudimentar e a trilha sonora, 100% artesanal, foi composta por Eliseu (Mano Zeu) ou emprestada de ilustres e desconhecidos artistas iguaçuenses.

Se você leu até aqui, ficou mais que evidente, portanto, que trata-se de um material caseiro e que jamais conseguiria espaço em canais massivos de comunicação.

Sendo assim, por que "As Muitas Faces..." vem gerando tanta polêmica e tão calorosos debates nos meios culturais da fronteira?

A explicação óbvia está no conteúdo da fita, que de tão cru e verdadeiro, chega a soar "pornográfico" aos ocupantes de cargos públicos e membros da chamada "nata" da sociedade local.

A prova maior do sucesso do documentário está, justamente, nos debates surgidos a partir de sua primeira exibição. Ao mostrar favelas e periferias ricas em manifestações artísticas, por exemplo, Danilo e Eliseu tocam em uma das chagas mais profundas do rincão iguaçuense: Foz do Iguaçu é, de fato, uma cidade "sem cultura", "sem história" e "sem memória"?

A resposta, cristalina aos olhos de muitos, porém, turva ante o inconsistente olhar da minoria que gerencia o poder, é que Foz do Iguaçu tem "cultura" para dar, impressionar e vender. O que falta e sempre faltou, na verdade, é a adoção de políticas públicas voltadas à valorização cultural e à inclusão social de camadas que, não por acaso, são hoje as principais vítimas da violência e da criminalização.

Em sua exposição durante o lançamento do documentário, por exemplo, Adílson Pasini, membro da diretoria da Fundação Cultural de Foz do Iguaçu, defendeu sua gestão enumerando eventos organizados pela instituição e que atraem, segundo Pasini, a atenção de turistas e os holofotes da grande mídia.

Perdeu o argumento, logo depois, quando a historiadora Adriana Facina, da Universidade Federal Fluminense (UFF), taxou como errôneo o gasto das exíguas verbas públicas em poucos e grandiosos eventos, enquanto festivais de bairro e atividades locais, com pouca visibilidade, porém, enorme potencial de transformação social, são deixados à míngua. Afinal, de nada adianta caprichar no almoço de domingo, se não houver comida para servir à mesa nos demais dias da semana.

Outra questão que ficou evidente é o desapego do poder público iguaçuense em relação à preservação da história da cidade e da memória de seus moradores. É assim, por exemplo, que mesmo sendo um importante ponto de referência, Foz do Iguaçu não conta, sequer, com um museu para contar sua história e funcionar, na pior das hipóteses, como um atrativo a mais no roteiro dos viajantes.

Em tal museu, poderiam ser expostos, entre outros objetos simples, mas de inestimável valor, recortes de jornais que mostram, em suas manchetes, que problemas como desemprego, criminalidade e marginalização das camadas mais pobres arrastam-se há mais de três décadas e, de lá para cá, pouco ou nada mudou nas páginas do noticiário policial.

Investir em cultura, socialização e geração de empregos é, como eu e você sabemos, bem mais barato, mais humano e mais eficaz que policiamento e repressão no combate às mazelas de ontem, de hoje e de amanhã. Falta, apenas, que governantes das três esferas percebam-se deste fato e tenham ciência de que, mesmo que a longo prazo (superior aos quatro ou oito anos de mandato), os resultados certamente virão.

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