domingo, 17 de outubro de 2010

TROPA DE ELITE 2 NÓS JÁ SABIAMOS QUE O INIMIGO É OUTRO

Assisti o filme Tropa de Elite 2, sai surpreendido da sala de cinema e muito sensibilizado.
Motivos não faltaram para me contemplar a performance do personagem Fraga, defensor implacável de direitos humanos, com frases como: “Gostaria de ver o BOPE combater uma vez só traficantes de condomínios”, “Temos uma polícia que o símbolo é uma caveira, ou seja, a morte”. A vinda desse personagem ao filme trouxe maturidade, mostrou a fundo a complexidade de se debater violência dentro do campo da segurança pública, mostrando de forma explícita a relação entre crime, polícia e política.
Personagem Fraga é inspirado no camarada Marcelo Freixo, que dedicou décadas da sua vida a ações que dizem respeito a defesa de direitos fundamentais. Historiador lecionou em presídios cariocas e ajudou a fundar diversos cursinho pré-vestibulares comunitários. À frente da ONG Justiça Global, se tornou um grande pesquisador do tema de segurança pública.
O filme pauta de forma corajosa a questão da milícia, grupos armados formados por policiais, bombeiros e agentes de segurança que invadem comunidades, impondo regras e cobrando impostos. Uma organização mafiosa que age por dentro do Estado.
A lógica da milícia é a de substituir o tráfico, percebendo que nas favelas cariocas há muitas atividades rentáveis além do tráfico de drogas, como o esquema de TV a cabo – “gato-net” – o transporte de vans e Kombi e a venda de bujão de gás. Tudo isso passou a ser controlado de forma violenta por agentes do Estado que deveriam zelar pela segurança.
Em relação à Tropa de Elite 1, o Tropa 2 avança em muitos degraus mostrando a relação da segurança com as decisões políticas. O debate da violência deve ser feito dentro desse campo, o filme chama atenção da população, para relação mídia/política, um apresentador que lembra muito o Vagner Montes da TV Record, é aliado do governador e incendeia a opinião pública fazendo com que muitos acreditem que tais locais devem ser ocupados pela policia, por trás daquela ocupação está o interesse em preservar a zona sul da cidade área nobre, lembremos que o projeto de pacificação armada nas favelas cariocas, foi o principal motivo que fez com que o atual governador se elegesse ainda no primeiro turno da última eleição.
A problemática do filme é posta de forma perspicaz quando o capitão Nascimento, ex comandante do BOPE, se torna subsecretário de segurança pública, acreditando que iria combater traficantes e a polícia corrupta.
No entanto, percebe da forma mais dolorosa que os criminosos estão dentro do Estado, e então surge o conflito: “para combater o crime é necessário recorrer ao Estado, mas como combater o crime se os criminosos estão no poder”.
Para Nascimento agora o inimigo é outro, não é mais o varejista da favela. Seus inimigos estão dentro do Estado e por vezes ao seu lado.
Em uma das suas falas Nascimento desabafa dizendo que não sabe por que matou tanta gente, e diz que nenhum policial mata alguém sozinho, por trás daquela bala têm algum interesse político, mostrando a má condição de trabalho dos policias que estão sendo preparados para proteger o patrimônio da elite e combater a vida dos pobres.
O filme traz a tona a CPI das milícias organizada agora pelo deputado Fraga. Na vida real essa CPI aconteceu e nela se cumpriu 225 mandatos de prisão para policiais, delegados, deputados, vereadores entre outros.
Nascimento, enquanto comandante do BOPE, sempre foi contrário as idéias de Fraga, vendo nelas um idealismo fora da realidade, no inicio do filme ele mostra a sua raiva com o debate “demagogo” dos direitos humanos, enquanto Fraga taxa Nascimento de fascista e assassino. Esse conflito é verídico e mostra a oposição entre bope e direitos humanos, os personagens posteriormente se aliam para combater a milícia.
Coincidência ou não, o livro Tropa de Elite 2 é escrito por Rodrigo Pimentel, ex-comandante do BOPE, e o primeiro agradecimento do livro vai para Marcelo Freixo pela luta e coragem de enfrentar as milícias.
O Fraga da vida real vive sob um regime de cautela, não podendo se expor em muitos ambientes, é proibido de transitar na zona oeste do Rio de janeiro, ainda dominada pela milícia. Vivendo sob um forte regime de proteção, já foram descobertos três planos para assassiná-lo.
Importante que essa história venha à tona, para refletirmos que esse deputado sofre ameaças por ter cumprido a sua função.
Quando o filme termina, toca a música dos mc´s Junior e Leonardo o refrão não podia ser mais significativo para o filme.
“tá tudo errado é até difícil explicar, mas do jeito que a coisa ta indo já passou da hora do bicho pegar, tá tudo errado difícil entender também tem gente plantando o mal querendo colher o bem”.
Estou curioso para vê se a sociedade vai ter o mesmo entusiasmo com esse filme,da mesma forma que teve pelo primeiro.
Infelizmente é notório que a maioria da população defenda a execução sistemática de moradores da periferia, acreditando que o grande mal esteja lá, mas nós já sabíamos e muitos poderão entender que o inimigo na real é outro.

Um comentário:

  1. Eu assisti o Tropa de Elite 2 no segundo dia de exibição, e estava muito ansiosa para isso, e tb fiquei muito sensibilizado ao final do filme. Tive uma crise de enxaqueca durante o filme, e acredito que foi reação do meu corpo a ansiedade, a grata surpresa do enredo do filme, e claro, ao sentimento tristeza, em mergulhar nessa realidade tão cruel que envolve a segurança pública do Brasil e suas vítimas. Ao final do filme eu me senti muito frustrada, não por causa do filme, pois concordo, que em relação ao primeiro o filme avança no debate da segurança publica e os políticos. Mas, o que me frustrou foi a reação do público.
    Acredito que o filme, infelizmente, não renderá o mesmo entusiasmo do primeiro, pois seu conteúdo é muito mais politizado que o mero entretenimento, apesar de ser evidente a excelente qualidade de produção do filme. No final da sessão, grande parte dos comentários das pessoas era apenas em relação ao quesito entretimento do filme, como se aquela realidade representada fosse muito distante.
    Muitas pessoas, que ainda não haviam assistido filme, me perguntaram qual era a frase de "efeito" do Capitão Nascimento nesse filme!
    Enfim, entre os muitos aspectos que me chamaram a atenção no filme, três foram os principais. Um foi a representação das contradições entre a subjetividade do personagem Nascimento e a consciência coletiva mais ampla, poderíamos assim dizer, que ele foi adquirindo, pois a partir do momento em que o "sistema" atingiu a sua família, ele assumiu posturas diferentes daquela ele costumeiramente tinha.
    A segunda, foi a representação da função da mídia sensacionalista nas relações entre a segurança pública e os políticos. Por último, o personagem Fraga problematiza aquela imagem de demagogos dos militantes dos direitos humanos, que parte da sociedade possui. Pois o gilme mostra que suas ações podem sim intervir de forma efetiva na realidade.

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