quarta-feira, 22 de junho de 2011

CONTOS, CONTAS, CANTOS E CRÔNICAS


Vida nossa de todos os dias

Seu Oscar era mais um daquelas pessoas invisíveis na qual a sociedade fingi, não vê, vivia sujo, fedido e com uma aparência cansada. Como viera do Chile de forma clandestina não tinha nenhum documento do Brasil, não chamava atenção nem dos programas assistencialistas do governo, dessa forma virou catador de reciclados na região de três lagoas, uma das maiores regiões periféricas de Foz do Iguaçu.

Vivia empurrando um carrinho feito por ele próprio, de madeira, com dois pneus de carro, seu trabalho era exaustivo, também não era para menos, o calor consumia suas energias, os termômetros da cidade apontaram naquele verão de 2007 para os 40° graus.

Tinha uma rotina puxada de segunda a sábado acorda ás 05h30min da manhã, e volta as 18h00min para casa. Caminha pelas ruas e junta o máximo de lixo encontrado nas ruas, juntava aquilo que a sociedade não consome, seu Oscar não catava somente materiais reciclados; também catava sonhos, sonhava em encontrar algum material valioso em meio ao lixo que revirava , chegou a levar alguns objetos para casa, mas seu tesouro em meio ao lixo nunca foi encontrado.

Mais um dia sua vida iria mudar era o que ele repetia para si mesmo. Rezava todos os dias quando acordava, e tinha esperança que um dia sua situação miserável melhorasse, foi assim por mais de 15 anos, sua fé era inabalável carregava uma imagem de santo Expedito em seu carrinho de cata-reciclados. Santo expedito é conhecido como "o santo das causas urgentes” e para seu Oscar era necessário o quanto antes sair daquela situação.

Na realidade ele tinha um bom e justo motivo para ter fé, lutou na década de 70, em um movimento revolucionário no Chile, escapou de diversas emboscadas promovidos pela repressão do governo de Pinochet, o que foi uma das mais sanguinárias ditaduras da América – latina.

Andava armado como de praxe com sua pistola a qual chamava carinhosamente de Violeta, primeiro nome da sua heroína a cantora que escutava e sonhava namorar durante a adolescência rebelde no Chile, Violeta Parra.

Violeta era um nome que tinha um grande significado em sua vida, pois tudo que tinha atualmente era resumido nesse nome, alguns vinis da cantora conhecida pelo seu tom de protesto e sua velha pistola, andava sempre em companhia da Violeta segunda, pois tinha uma síndrome de perseguição, um trauma que herdara da vida de fuga e de acossamento.

Um dia parece que santo expedito ouviu suas orações e seu destino começara a mudar, catava lixo na frente do posto da Texaco, como faria diariamente, o dono do posto seu Sérgio, após ficar sabendo que seu Oscar tinha sido um guerrilheiro e portava uma arma, fez uma posposta para ele fazer a segurança do posto, não que Sérgio seja uma pessoa bondosa, generosa e que partia seu coração ao vê aquele senhor revirar os lixos do bairro, mas como um bom burguês pensava na defesa da sua propriedade.

O posto Texaco fora muitas vezes assaltado e acreditará que por seu Oscar ter uma fama de rebelde, ligado á um passado de revolução armada assustaria a malandragem daquela região, designando o mesmo para a segurança do local.

Assim Oscar ganhará desde que chegou ao Brasil a primeira oportunidade de ter um emprego com salário fixo por mês, pois os 80, 00 reais que ganhava juntando reciclado não davam para nada, começara a sonhar ali com o salário de 250,00 reais que Sérgio ofereceu, planejara comprar um som toca CD portátil no Paraguai, assim poderia ouvir a música de Violeta Parra enquanto trabalhava.

Oscar enxergava no novo emprego a oportunidade que sempre esperava, via naquele momento uma promoção social, abandonou o carrinho de catar reciclado que o acompanhou por sete anos desde que chegou a Foz, agora ele trabalhava na sombra e não fedia mais, assim passou a acreditar que tinha subido um degrau na escala evolutiva do capitalismo.

Atualmente vive em contradições com alguns ideais comunistas que permanecem em seu coração, quando percebe a ma fé do patrão Sérgio, que sacaneia diariamente os frentistas e clientes do posto, lembra do seu passado da vida guerrilheira aonde aprenderá a dividir até as migalhas de comida com os companheiros de guerrilha, assim às vezes pensa em abandonar o emprego pois o corta por dentro conviver com uma pessoa tão gananciosa como Sérgio,mas voltar a catar lixo era o que menos queria para sua vida pois agora conseguia até algumas mulheres.

Para aliviar sua consciência se remete há uma pergunta: como seria se virássemos o tapete? E se quem estive em cima fosse para baixo?

Assim prossegue com a velha Violeta na cinta, com seu som portátil e com a imagem de santo expedito, agora colada no som, desacreditado da mudança e das pessoas, é mais um que vai levando a vida, e se você o questionar sobre mudança, revolução e outras questões políticas ele irá olhar no fundo dos seus olhos com um ar de dúvida e irá te fazer a mesma pergunta que ocupa seu subconsciente, como seria se virássemos o tapete? E se quem estivesse em cima fosse para baixo?

Danilo Georges

Historiador, e pesquisador das camadas populares da cidade de Foz do Iguaçu, afirma que 99% das histórias narradas no Fanzine serão verídicas, o 1% é fruto da sua imaginação.

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