sexta-feira, 23 de setembro de 2011

A VERGONHA PARTIU


(Carlos Latuff)

Vossa Excelência, estou de malas prontas.
Eu, a Vergonha, vou sair de vez de sua personalidade.
Afinal, desde que começou a subir em palanques,
não tive mais qualquer utilidade.

Fui deixada nos mais escuros escaninhos de seu íntimo.
Nunca pude esquentar sua face toda vez que uma mentira saía de sua boca.
Porque a madeira de que é feita sua cara, é fria demais pra pegar fogo.

Aprisionada por tanto tempo nesse corpo
revestido de paletós e gravatas
acabei encontrando por acaso
sua consciência no caminho.

Está morta, só resta um leve esqueleto.
Por isso mesmo é que ela nunca pesa toda vez que negocias as almas do povo.

Por isso, Vossa Excelência, antes que eu também morra,
nas masmorras de seu caráter obscuro,
é que eu, a Vergonha, me mudo daqui,
direto pro coração do camponês e do operário,
porque sei que eles levam muito de mim em seus rostos,
já que suas mãos foram sujas apenas por barro e graxa,
e não por dinheiro.



Nenhum comentário:

Postar um comentário