Danilo Georges*
No dia 26 de maio acontecerá à 1ª Marcha
da maconha nas Três Fronteiras. Em quase um século de cidade, está será a
primeira oportunidade de se debater o tema da descriminalização das “drogas”. A
importância desta discussão não se restringe só ao “tabu” que envolve a proposta. O problema é mais complexo, porque agrega
noções de violência, estigma, segurança pública, código penal e, seus reflexos
no campo político, econômico e social.
Qualificar, portanto, o debate sobre drogas
nas Três Fronteiras pode ser uma forma de pensar sem pudores à violência urbana,
descortinar as estatísticas que teimam em crescer, já que boa parte dos
homicídios, prisões e ações violentas – até por parte do estado – vem supostamente
do “fogo”, que se alimenta do combustível do tráfico de drogas.
A
comercialização de drogas é uma atividade extremamente rentável. O Fundo
Monetário Internacional calcula que o chamado crime organizado movimenta 750
bilhões dólares ao ano, cujo 500 bilhões seriam gerados pelo narcotráfico, que
mesmo “ilegal” consegue virar uma economia legal na lavagem de dinheiro, feita
por bancos, empresas e multinacionais.
Se
tratando de uma cifra de bilhões, parece óbvio perceber, que o narcotráfico não
se sustenta só na favela ou no presídio como muitos crêem. Ele tem seu braço (porque
não dizer cabeça) na política seja de forma direta e/ou nas instituições do
Estado, polícia e Poder Judiciário. Uma relação que envolve o capital
internacional, o banqueiros, juízes e empresários.
O varejo da droga se exilou em bairros
decadentes onde recursos públicos e privados são escassos, e encontra uma mão
de obra barateada pelo desemprego em massa, no qual a privação social, cultural
e econômica se prevaleceu.
Orlando Zaconne, delegado da polícia
civil do estado do Rio de Janeiro ao analisar a Guerra às Drogas e as políticas
oficiais de controle do uso e comércio das drogas, evidencia no livro “Os acionistas do nada: Quem são os
traficantes de drogas” que, a guerra às drogas funciona como meios de
coerção social. “Não há um combate às
drogas feita no andar de cima, pouco se faz para cortar o braço econômico dessa
atividade”. Segundo ele, quem produz, distribui e financia essa produção, quem
mais lucra com essa atividade raramente é preso. Os detidos são sempre os
“bagrinhos” geralmente pobres e maltrapilhos, que parecem está longe daquela
cifra bilionária citada pelo FMI.
Contudo, a margem das estatísticas, a guerra
contra o tráfico ganha fôlego com os discursos punitivos, que tem sido uma
constante nos meios de comunicação e, encontra na falácia da guerra um caminho
natural para encarcerar os pobres.
Essa imprensa sensacionalista engrossa o
discurso do medo, que ganha retoques com a “demonização” da favela. A
criminalização da pobreza é um fenômeno mundial que no Brasil ganha destaque por
meio da dita “guerra contra as drogas”, que mais parece uma “guerra contra os
pobres”, assim como justifica o sociólogo Zgymunt Bauman: “cada vez mais ser
pobre é encarado como um crime; empobrecer como o produto de predisposições ou
intenções criminosas-abuso de álcool, jogos de azar, vadiagem, drogas e
vagabundagem. Os pobres, longe de fazer jus a cuidado e assistência merecem
ódio e condenação-como a própria encarnação do pecado” (Bauman, 2006, pg. 59).
A mídia burguesa constituiu o consenso do
“CEP da violência”: um estigma sobre a favela como berço do crime. Logo há um lugar
“favela” perigoso que deve ser combatido, controlado e vigiado. Essa
perversidade se sobrepõe ao já universal estigma da pobreza. Crime e miséria
continuam sendo associados, o primeiro traço da imagem de delinquente é seu
status social. Assim, se justifica nessa ótica, que o pobre é naturalmente
criminoso.
As operações, batidas, vistorias policiais quase
em sua totalidade acontecem nas comunidades pobres. Os resultados muitas vezes
dessas operações são violações a direitos humanos: casas arrombadas sem
mandatos, agentes sem identificação, torturas, privação da liberdade, moradores
e policiais feridos e execuções sumárias de pobres e trabalhadores.
A atual política de guerra contra
as drogas, para além de revelar um fracasso naquilo que se diz se propor,
oculta sua real função que cumpre com magnitude: o controle social das classes pobres”.
Segundo o sociólogo Loic Wacquant: “Os altos índices de encarceramento revelam
uma decisão política de Estado, que trocou a responsabilidade coletiva, pela
exclusão de classe, pela privatização da segurança, sob o signo do medo” (Wacquant,2005,pg.136).
As políticas públicas deviam pressupor a
adoção de um conjunto de medidas não repressivas, buscando um amplo espectros
de ações sociais, pois, se gasta cada vez mais dinheiro publico na
militarização das polícias e nas operações de guerra as drogas e o resultado
tem sido iguais seja em qualquer parte do mundo e/ou no Brasil: cadeias superlotadas,
chacinas em regiões pobres, alto índice de homicídios, policiais feridos e
deprimidos, pessoas inseguras e com um medo que só aumenta, além do consumo de
drogas crescente e de forma excessiva.
Essas medidas punitivas do estado, a
lógica do confronto, as operações policiais oferecem, portanto, mais risco e
demandam mais gastos públicos do que o próprio dano cometido pelo usuário de
droga.
No
entanto, essa “solução”, a guerra às drogas, ainda permanece, e com aprovação até
em setores progressistas da sociedade. Isso porque o imaginário quanto ao
comércio ilegal de drogas continua o mesmo: o de que os chefes do narcotráfico
residem em favelas.
Assim, o fruto colhido por essa política
de guerra aos pobres também permanece igual: se mata e se prende cada vez mais
em Foz do Iguaçu. E a miséria, é a principal característica dos presos e mortos
da cidade. A guerra às drogas na Fronteira está para condenar, os já condenados
da cidade.
*Historiador, mestrando em ciências sociais UNIOESTE
e Membro do Centro de Direitos
humanos e memória popular de Foz do Iguaçu.
Referencias bibliográficas:
Bauman,
Zygmunt.O mal estar da pós modernidade..Rio de janeiro, Jorge Zahar, 1999.
Zaccone,Orlando.
Acionistas do nada: quem são os traficantes de drogas. Rio de janeiro, Revan, 2007.
Wacquant,
Loic. Os condenados da cidade; estudos sobre marginalidade avançada. Revan, Rio
de janeiro, 2001.